Foi com grande satisfação que recebemos o e-mail de ALESSANDRO CAVASSIN ALVES, doutorando em Sociologia na UFPR e professor na Área Metropolitana Norte, em Itaperuçu. Ele nos conta que recentemente apresentou um texto sobre os diretores da colônia do Assunguy, no Simpósio Nacional de História, na USP, o qual reproduzimos aqui na íntegra. Tal estudo com certeza contribuirá para enriquecer a pesquisa sobre a história de Cerro Azul. Obrigada, Alessandro!
ANÁLISE PROSOPOGRÁFICA DOS DIRETORES DE UMA COLÔNIA IMPERIAL PARA IMIGRANTES NO PARANÁ, SÉCULO XIX
ALESSANDRO CAVASSIN ALVES[1]
Introdução
O que se propõe para este trabalho é a análise de quem foram os Diretores de uma colônia para imigrantes a 106km ao norte da capital do Paraná, Curitiba, denominada de colônia do Assunguy, na qual estes indivíduos formavam, em seu conjunto, uma elite política e administrativa nesta micro localidade. Tendo em vista que o conceito de elite é amplo e por vezes sem um consenso (HEINZ, 2006, p.07), segue-se aqui a definição de elite política utilizada por Joseph LOVE e Bert J. BARICKMAN (2006) como aquele grupo detentor de importantes posições nos governos. E para este caso, restringe-se ao estudo dos ocupantes da posição de diretor, como sendo uma posição relevante no exercício deste poder. Num espaço de tempo que vai de 1860, época da criação da colônia até o ano de 1882, quando é emancipada politicamente, tornando-se Vila.
O método de análise utilizado para se compreender os diretores da colônia do Assunguy será o prosopográfico. A partir da prosopografia busca-se entender o perfil geral destes diretores e de que maneira isto influenciaria no desenvolvimento desta colônia. Portanto, o problema que se coloca é debater um aspecto presente em todos os livros de história paranaense que é o “fracasso” da colonização no Assunguy.
A identificação desta “elite política/administrativa”, fundada sobre pesquisas empíricas, se faz necessário e se justifica, pois pouco ou nada se sabe sobre quem foram e qual o perfil destes diretores das colônias para imigrantes no território paranaense.
Esta análise específica a que se propõe este trabalho pode contribuir para a discussão mais ampla sobre o que é o Paraná e sua formação e mesmo o processo de colonização no sul do Brasil promovido no século XIX pelo governo Imperial.
Aspectos históricos da colônia do Assunguy
A Colônia do Assunguy foi um grande empreendimento colonizador, pensado e realizado pelo Governo Imperial. Ela foi construída em terras devolutas na Província do Paraná e instalada oficialmente em 1860, ao todo medindo 59.681,4 hectares2, em três territórios, medidos por engenheiros3, formando um espaço geometricamente em forma de quadrados, na qual foram realizados grandes investimentos4.
Sua localização é em um espaço geográfico acidentado, com íngremes montanhas, muitos rios e de difícil acesso até o vale em que se encontra sua sede. Estas condições naturais dificultavam muito as tentativas de se estabelecer ali um próspero núcleo colonial.
Porém, foram grandes os investimentos e as despesas geradas com esta colônia. As medições das terras devolutas para se preparar a colônia, a medição dos lotes, a construção de casas para os colonos, do preparo de seus lotes, das construções oficiais como a casa para o diretor, armazéns, pequenas fábricas, enfermarias, igrejas (católica e protestante), escolas, transporte de imigrantes, gastos com funcionários nomeados para nela trabalharem como diretores, escrivões, ajudantes, engenheiros, agrimensores, médicos, farmacêuticos, enfermeiros, professores e feitores, com a criação de uma repartição pública específica na província do Paraná, a “Repartição Especial de Terras Públicas e Colonização”, e principalmente, pelo alto gasto com a tentativa da construção de uma estrada de rodagem entre a capital Curitiba e o centro do núcleo colonial, ou da estrada entre a colônia a Castro, ou daquela que nunca sairia do papel, entre Antonina (cidade portuária no Paraná ou mesmo de Cananéia em São Paulo) até a colônia do Assunguy, além das linhas férreas planejadas que jamais foram feitas até a colônia.
A princípio, justificavam-se plenamente estes investimentos, afinal era uma reivindicação antiga da província do Paraná, ter colônias para imigrantes, pois havia a necessidade de se povoar o território, trazer colonos morigerados, e principalmente melhorar o abastecimento de alimentos, além de suprir a mão de obra escrava, cada vez mais cara e escassa. As terras da colônia do Assunguy eram consideradas de qualidade ímpar para a agricultura, com inesgotáveis fontes de água, somadas às riquezas minerais no subsolo e um clima propício para se plantar e viver5.
O problema é que a Colônia do Assunguy não atingiu seu objetivo de ter se tornado uma próspera colônia do Estado brasileiro, de ser o celeiro agrícola do Paraná, capaz de exportar os mais variados tipos de alimentos e produtos, e nem mesmo de ser um local propício e de bom acolhimento para os imigrantes, tornando-se assim um empreendimento estatal fracassado na visão de todos os historiadores e pesquisadores do tema.
Tem-se que esta grandiosidade de investimentos e tempo gasto pode ser vistas claramente nos relatórios dos Presidentes da Província do Paraná. E seguindo os acontecimentos referentes à colônia do Assunguy nestes relatórios oficiais, de 1854, época da independência política paranaense e na qual já se iniciava a descrição da pretensão da instalação de uma colônia na região do rio Assunguy e Ribeira, até o ano de 1882, quando a colônia torna-se independente formando o município de Cerro Azul, é possível, pelo olhar oficial, ter uma ideia do que foi este grande empreendimento público de colonização.
A grandiosidade deste empreendimento estatal foi inclusive associada a Princesa Isabel, imperatriz brasileira, filha mais velha de D. Pedro II, creditando a ela suas origens (mesmo tendo ela em 1860, apenas 14 anos), na qual ela teria “vislumbrado a instalação de uma colônia agrícola nas regiões dos rios Ponta Grossa e da Ribeira” (FERREIRA, 2006:83).
Prosopografia dos Diretores da colônia
Identificados os indivíduos (população) que ocuparam o cargo de diretor desta colônia, buscam-se, então, as características gerais deste grupo que controla o poder local. Mapear quem são esses indivíduos que ocuparam o cargo de diretor desta colônia e suas trajetórias políticas levaria esta pesquisa a uma pequena biografia de cada um deles. Esta biografia individual permitiria descobrir as características gerais desta elite. A partir deste levantamento se busca elaborar uma prosopografia ou biografia coletiva:
Seu princípio é simples: definir uma população a partir de um ou vários critérios a estabelecer, a partir dela, um questionário biográfico cujos diferentes critérios e variáveis servirão à descrição de sua dinâmica social, privada, pública, ou mesmo cultural, ideológica ou política, segundo a população e o questionário em análise. Lawrence Stone o diz à sua maneira: “prosopography is the investigation of the common background characteristics of a group of actors in history by means of a collective study of their lives”. Uma vez reunida a documentação, e esta é a parte mais longa do trabalho, o exame dos dados pode recorrer a técnicas múltiplas, quantitativas ou qualitativas, contagens manuais ou informatizadas, quadros estatísticos ou análises fatoriais, segundo a riqueza ou a sofisticação do questionário e das fontes (CHARLE in HEINZ, 2006, p.44).
A “população” está definida a partir do critério de participação do cargo de diretor na colônia do Assunguy. O questionário biográfico abordará sobre a dinâmica política destes atores, destacando a procedência de nomeação, que a princípio era o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas no Rio de Janeiro (nomeando diretores efetivos) ou através do Presidente da Província do Paraná, ou da Repartição de Terras Públicas, ou ainda da Tesouraria da Fazenda do Paraná (nomeando diretores interinos até a sua aprovação pelo Rio de Janeiro ou até chegar o novo diretor efetivo); e o tempo em que o diretor ficou na administração da colônia, bem como seu conhecimento da região, que são aspectos que podem significar uma maior ou menor influência nos destinos da colônia.
O levantamento da biografia de cada um destes indivíduos, mais ou menos ampla em detalhes de acordo com a “riqueza” das fontes encontradas e da coleta de dados, será feita através dos seguintes itens: profissão / escolaridade (representado pelos títulos a que são referidos, como engenheiro, professor, médico, capitão etc.) e dados biográficos relevantes destes diretores, como se estrangeiros, se funcionários públicos de carreira, empreiteiros etc. A prosopografia possibilitaria, assim, uma visão geral desta elite.
Vejamos a seguir os dados gerais de cada um dos diretores desta colônia, entre 1860 a 1882:
1. JOAQUIM PINTO DE QUEIRÓS SARMENTO
Diretor interino de 10/dez/1860 a 29/abr/1861 (3 meses de administração). Teve fraca influência. Foi nomeado pelo Presidente da Província, PR.
2. JOAQUIM SEVERO CORREA
Diretor efetivo de 29/abr/1861 a 8/out/1861 (5 meses de administração). Teve forte influência por residir na colônia. Foi nomeado pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, RJ. Era tenente, capitão, comerciante, empreiteiro e político. Depois de Diretor da colônia, estabeleceu-se na região do Assunguy como comerciante e dono de terras, exercendo funções de serviço público da guarda nacional; era cunhado do Vice-Presidente do Paraná, Visconde de Nácar, e por fim eleito deputado provincial, mas não assume por motivo de falecimento em 1875.
3. RAYMUNDO FERREIRA DE OLIVEIRA MELLO
Diretor interino de 27/out/1861 a 9/jan/1862 (2 meses de administração). Teve fraca influência. Foi nomeado pelo Presidente da Província, PR
4. GOTTLIEB WIELLAND
Diretor efetivo de 9/jan/1862 a 7/dez/1864 (2 anos e 11 meses de administração). Teve Forte influência por conhecer bem a região. Foi nomeado pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, RJ. Foi ex-diretor de colônias e engenheiro no Paraná. Alemão; Depois de Diretor, realizou diversos trabalhos em obras públicas e particulares na Província do Paraná e na região do Assunguy.
5. JOÃO ANTONIO PEREIRA
Diretor efetivo de 7/dez/1864 a 21/out/1865 (10 meses de administração). Teve fraca influência. Foi nomeado pelo Presidente da Província, PR
6. EMÍLIO NUNES CORRÊA DE MENEZES
Diretor interino de 21/out/1865 a 2/jan/1866 (2 meses de administração), de Mar/1867 a 30/jul/1867 (3 meses de administração), de 1/jun/1868 a 3/ago/1868 (2 meses de administração). Teve forte influência por conhecer bem a região. Foi nomeado pelo Departamento da Repartição de Terras, PR. Era professor, depois funcionário e oficial do Departamento da Repartição de Terras a partir de 1861 até seu falecimento em 1870, com importantes trabalhos no setor de colonização no Paraná.
7. G. R. WHALEY
Diretor efetivo de 02/jan/1866 a abril/1866 (2 meses de administração). Teve fraca influência. Foi nomeado pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, RJ
8. MANUEL ANTONIO FERREIRA
Diretor efetivo de 28/abr/1866 a mar/1867 (1 ano de administração). Teve forte influência por conhecer bem a região e ser dono de terras na colônia. Foi nomeado pelo Presidente da Província, PR. Era empreiteiro, tenente coronel e político. Realizou diversas obras públicas como empreiteiro. Foi Vice-Presidente da Província do Paraná em 1863. Participou da Guerra do Paraguai. Era fazendeiro e com terras na colônia do Assunguy.
9. JULES LOUIS PARIGOT /ou JULIO LUIZ PARIGOT
Diretor efetivo de 30/jul/1867 a 06/maio/1869 (1 ano e 9 meses). Teve forte influência por ser diretor de colônias do Império. Foi nomeado pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, RJ. Era médico, diretor de colônias e escritor. Francês ou Belga, era maçom e diretor em outras colônias do Império. Também era nomeado para atuar como médico nas colônias.
10. JOSÉ BORGES DE MACEDO
Diretor interino de 27/maio/1869 a 5/nov/1869 (5 meses de administração). Teve forte influência por residir na colônia. Foi nomeado pelo Departamento da Repartição de Terras, PR. Era professor primário, amanuense e escrivão. Inicia a carreira como professor primário em Votuverava e depois no cargo de amanuense na Repartição de Terras e passa a residir na colônia do Assunguy, sendo escrivão e ajudante de vários diretores.
11. GODOFREDO AUGUSTO SCHIMIDT
Diretor efetivo de 5/nov/1869 a 1872 (2 anos e alguns meses). Teve forte influência por ser diretor de colônias do Império. Foi nomeado pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, RJ. Era diretor de colônias e alemão. Trabalhou em jornal no RJ; Era tradutor. Trabalhou na alfândega de Santos e como diretor em outras colônias do Império.
12. ALEXANDRE AFONSO DE CARVALHO
Diretor efetivo de Mar/1873. Teve pouca influência. Foi nomeado pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, RJ
13. JOAQUIM DE SOUZA BORGES ACCIOLI
Diretor efetivo de Jun/1873 a fev/1874 (7 meses). Teve pouca influência. Foi nomeado pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, RJ
14. RAIMUNDO DE PENAFORTE ALVES SACRAMENTO BLAKE
Diretor efetivo Mar/1874 a set/1874, ou talvez até 1875 (1 ano). Teve forte influência por conhecer bem a região. Foi nomeado pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, RJ. Era engenheiro, diretor de colônias, inspetor geral das medições de terras no PR, SP, RS e outras comissões, além de inspetor geral do governo junto a companhia da Estrada de Ferro de SP a RJ.
15. PEDRO DE ALCÂNTARA BUARQUE
Diretor efetivo de Out/1875 a out/1877 (2 anos). Teve forte influência devido ao tempo que ficou como Diretor. Foi nomeado pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, RJ. Era tenente coronel, funcionário público e membro da família de José Ignácio Buarque de Macedo, de Engenho do Samba, RJ.
16. MAURÍLIO MOREIRA DE MAGALHÃES SAMPAIO
Diretor interino de Out/1877 a fev/1878 (4 meses); Teve pouca influência. Foi nomeado pela Tesouraria da Fazenda, PR
17. FRANKLIN DO REGO RANGEL
Diretor interino de Fev/1878 a mar/1879 (1 ano de administração). Teve forte influência devido ao tempo que ficou na colônia. Foi nomeado pelo Presidente da Província, PR. Era funcionário público imperial e depois funcionário público do Paraná. De escrivão a diretor na colônia do Assunguy, depois exerceu atividades em cargos públicos no governo do Paraná.
18. IGNÁCIO DE SÁ SOTTO MAIOR
Diretor interino de Mar/1879 a 10/jun/1879 (3 meses). Teve pouca influência. Foi nomeado pela Tesouraria da Fazenda, PR
19. CONSTANTE AFONSO COELHO
Diretor interino de 12/jul/1881. Substituiu interinamente durante a direção de Manuel Barata Góes. Foi nomeado pelo Presidente da Província, PR
20. MANUEL BARATA GÓES
Diretor efetivo de 10/jun/1879 a 14/jan/1882 (2 anos e 6 meses). Teve forte influência por ser diretor de colônias do Império. Foi nomeado pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, RJ. Era engenheiro, bacharel e diretor de diversas colônias imperiais, em especial no Paraná e no Rio Grande do Sul. Encaminhou a colônia do Assunguy para sua emancipação política.
Fonte: Relatórios dos Presidentes da Província do Paraná, 1854 a 1882. PARANÁ. Registro de correspondências dirigidas à Presidência pelos diretores da Colônia do Assungui entre 1866 e 1872. Códice 380. DEAP.
Percebemos que em 22 anos de colônia do Assunguy, houve 22 mudanças na administração, sendo que passaram 20 diretores diferentes. Destes 20, 8 são interinos e 12 são nomeados de forma efetiva.
Dos diretores interinos, estes eram nomeados pelo governo da província do Paraná, sendo pelo próprio Presidente, ou via diretoria do Departamento de Repartição de Terras Públicas até 1870 e depois pela Secretaria de Tesouraria da Fazenda da Província. A média de permanência deles na administração era em torno de um pouco menos que 3 meses, até a chegada do diretor efetivo. A presença deles é verificada quando da saída do diretor efetivo. Nos relatórios dos presidentes da Província do Paraná verificamos também a demora da troca entre um diretor e outro, ficando por vezes, a colônia sem diretor. E que, de maneira geral, um diretor interino pouco ou quase nada poderia influir nos destinos da colônia.
Dos 12 diretores efetivos, temos que nove deles, nomeados pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas eram de fora da Província do Paraná, provenientes em sua grande maioria do Rio de Janeiro.
Já a média de permanência dos diretores efetivos era de 15 meses. Destes 12, apenas cinco diretores tiveram um tempo de trabalho maior do que os 15 meses a frente da colônia, tendo como característica comum serem diretores de colônias do governo imperial, com passagem por outras colônias brasileiras. O máximo foi a administração do alemão Gottlieb Wielland, 35 meses e mínimo foram dos diretores, o inglês G.R.Whaley e o médico baiano Alexandre Afonso de Carvalho, entre 1 a 2 meses de governo. Certamente, o pouco tempo de permanência no cargo destes diretores, minimizava qualquer controle maior sobre os encaminhamentos da própria colônia.
Neste sentido, outro aspecto é a forte ou fraca influência dos diretores na condução desta colônia e a realização de possíveis mudanças em seu benefício. Consideramos que 11 deles poderiam ter uma influência maior devido ao fator tempo de administração, conhecimento da região e de permanência na colônia. Destes, 2 ex-diretores residiram na própria colônia, 4 conheceriam bem a região, 3 por terem sido diretores de outras colônias e 2 por passarem de assessores a diretor. Porém, metade dos 20 diretores teve fraca influência, pois permaneceram muito pouco na sua administração. O cargo de Diretor desta colônia era uma atividade, portanto, bastante provisória. Esta é a mesma conclusão do trabalho de Terciane LUCHESE (2009, p.33), sobre três colônias para imigrantes italianos no Rio Grande do Sul, em que constatou que não havia “uma constância administrativa nas colônias e as mudanças frequentes na coordenação desse trabalho de certa forma demonstra o grande número de dificuldades encontradas pelos diretos para exercerem suas funções, e o despreparo de alguns”.
Sob estes aspectos coletivos apresentados, consideramos ser estas algumas dificuldades aparentes na condução dos trabalhos administrativos desta imensa colônia, como a intensa troca de diretores, muitos deles interinos, a pouca permanência dos diretores efetivos e a procedência deles vindos de fora do Paraná e, portanto, com uma influência relativa nos rumos da colônia. Tudo isto teria influenciado o mau desempenho da colônia.
Podemos ter um perfil geral dos diretores mais influentes desta colônia observando a profissão e escolaridade, dadas a partir de sua biografia e títulos, e dados biográficos relevantes que demonstrem suas atividades ao longo da vida. A colônia do Assunguy, para a grande maioria deles, foi apenas um pequeno momento em suas vidas, salvo para Joaquim Severo Correa e José Borges de Macedo, que passaram a residir no local, mas para os demais, provavelmente era uma oportunidade de experiência visando cargos melhores no império brasileiro ou na província do Paraná.
Entretanto, para o ex-diretor (em 1861) Joaquim Severo Correa, a colônia foi onde se estabeleceu e construiu sua carreira profissional, pública e política. Foi o mais importante comerciante local até 1875, época em que faleceu, e no mesmo ano em que foi eleito deputado provincial do Paraná. Era também membro do serviço de delegacia e inspetor de quarteirão, com títulos de tenente e capitão. Participou em 1867, com o então diretor Manuel Antonio Ferreira, de uma exposição de produtos agrícolas em Paris; e o engenheiro inglês BIGG-WHITER (2001), quando esteve na colônia em 1873, teria ficado hospedado em sua casa, onde viu, através de um caderno, que todos os colonos tinham contas em seu comércio, e de acordo com depoimento dos colonos ingleses em 1874 (MONUMENTA, 1998), o governo paranaense comprava todos os produtos para a colônia do sr. Severo, então “cunhado do Vice-Presidente” do Paraná, Visconde de Nácar. E ainda, Severo Correa e o coronel Ferreira possuíam terrenos no centro da colônia, fato denunciado pelo Diretor Julio Luis Parigot em 1868, pois os colonos tinham de ser instalados a distâncias cada vez maiores de seu centro administrativo. Ao que se percebe, Joaquim Severo Correa possuía um amplo controle do poder local nesta colônia, via comércio e membro de atividades públicas policiais, independente do diretor que fosse nomeado.
Quanto a José Borges de Macedo, sua influência se dava pela experiência que tinha no cargo de escrivão e ajudante, e residindo na própria colônia.
Entre as profissões dos 20 diretores da colônia temos as seguintes: 5 diretores de colônias, 4 com títulos militares, 4 engenheiros, 3 ex-professores, 2 médicos, 2 empreiteiros, 2 escrivões, 2 funcionários da Repartição de Terras do Paraná, 2 funcionários da Tesouraria do Paraná, 2 políticos, 1 bacharel, 1 tabelião, 1 inspetor de alfândega. Podemos observar que todos eram funcionários públicos, do império ou da província do Paraná, mesmo os quatro estrangeiros mencionados; percebe-se uma grande heterogeneidade entre as profissões; e quanto aos dados biográficos relevantes, apenas metade dos 20 diretores trabalharam boa parte de suas vidas em colônias para imigrantes. E dos diretores mais influentes, destaca-se novamente serem eles diretamente ligados ao trabalho com colônias para imigrantes.
Sobre os diretores estrangeiros, é interessante notar que a colônia do Assunguy era mista e com imigrantes de diversos países, como França, Alemanha, Inglaterra, Suécia, Itália, Suíça, Bélgica, Espanha entre outros países, além de muitos brasileiros. Neste sentido o governo imperial nomeou estes diretores estrangeiros, primeiro um alemão, devido a colônia em 1860 ser fundada por famílias alemãs, mas houve desentendimentos entre os colonos e este diretor; um francês ou belga que era médico, que também se desentendeu com o engenheiro da própria colônia, com o Sr. Severo Correa e com colonos ingleses. Interessante notar que os primeiros dois ofícios do diretor Parigot estão em francês; outro diretor foi um inglês, nomeado devido ao aumento de colonos ingleses na colônia e o conflito intenso entre diretores e colonos ingleses, que os consideravam não aptos ao trabalho agrícola, porém, este não permaneceu nem dois meses, justificando a falta condições mínimas da colônia; e por fim, outro alemão, também criticado em sua administração pelos colonos ingleses em 1874. Independente das críticas, dos quatro diretores estrangeiros, três deles estão entre os que mais teriam se destacado nesta colônia.
Aqui se enfatiza um ponto interessante, as constantes desavenças entre colonos e diretor e entre diretor e funcionários da própria colônia. Seriam os diretores muito autoritários? Parece que sim. Outro ponto é de que por vezes se encontra insinuações e denúncias sobre o problema da corrupção. Seriam os diretores também corruptos? Todas as denúncias eram sempre fiscalizadas pelos agentes do governo e eram afastados os diretores enquanto investigados. Financeiramente, esta colônia dependia dos recursos do Governo Imperial, mas todas as solicitações deveriam ser feitas ao Governo Provincial, que também pedia o relatório das despesas e os orçamentos dos futuros gastos. Então, o dinheiro vinha do Governo Imperial, passava pelo Governo Provincial e seguia para a Colônia na qual o Diretor e seus ajudantes eram os responsáveis para executar as obras necessárias e previstas nos orçamentos e ao pagamento das despesas com os colonos.
Após esta breve análise prosopográfica dos diretores da colônia do Assunguy é possível concluir sobre a homogeneidade quanto a serem profissionais da atividade pública, mas muito heterogêneos quanto a profissão e quanto permanência deles em atividades específicas de colônias. O insucesso desta colônia, ou seu “fracasso”, também se deve a esta heterogeneidade dos diretores, sendo que os que mais se destacaram trabalhavam efetivamente com a colonização. Por ser uma colônia agrícola, de difícil acesso, com estradas péssimas, talvez a existência de uma equipe de direção mais estável pudesse dar a ela um futuro melhor do que aquele que lhe aconteceu.
Referências Bibliográficas
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HEINZ, Flávio M. (org.) (2006). Por outra história das elites. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
LOPES, José Carlos Veiga. (2007). Aconteceu nos Pinhais: subsídios para a história dos municípios do Paraná tradicional do Planalto. Curitiba: Editora Progressiva.
LAMB, Roberto Edgar. Uma jornada civilizadora: imigração, conflito social e segurança pública na Província do Paraná – 1867 a 1882. Dissertação. História. Curitiba: UFPR, 1994.
LOVE, Joseph L. e BARICKMAN, Bert J. (2006). Elites Regionais. In: HEINZ, F. M. (org.). Por outra história das elites. Rio de Janeiro : Fundação Getúlio Vargas.
LUCHESE, Terciane Ângela. Relações de Poder: Autoridades Regionais e Imigrantes Italianos nas Colônias Conde d’Eu, Dona Isabel, Caxias e Alfredo Chaves: 1875 a 1889. Curitiba: Editora CRV, 2009.
MONUMENTA. Imigração para o Brasil. Apresentação Magnus Roberto de Mello Pereira e Relatório sobre a colônia Assunguy, apresentado a ambas as casas do Parlamento por Ordem de Sua Majestade. Londres, 1875. Curitiba, Aos Quatro Ventos, 1998.
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OLIVEIRA, Ricardo Costa de. (2001). O silêncio dos vencedores. Genealogia, classe dominante e estado do Paraná. Curitiba: Moinho do Verbo.
Site institucional:
Arquivo Público do Paraná. Disponível em: http://arquivopublico.pr.gov.br/
Link: Pesquisa On-line: Relatórios dos Presidentes da Província do Paraná, 1854 a 1882. Disponível em: http://www.arquivopublico.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=44
Documentos Oficiais
PARANÁ. Registro de correspondências dirigidas à Presidência pelos diretores da Colônia do Assungui entre 1866 e 1872. Códice 380. DEAP.
Notas de rodapé
1 Instituição de origem: UFPR; Doutorando em Sociologia (2010-2013); bolsista REUNI.
2 É enorme o tamanho do território desta colônia comparado as demais colônias que se formaram no Paraná, na qual a média seria de aproximadamente mil hectares para cada colônia ao redor de Curitiba (WESTPHALEN, MACHADO, BALHANA: 1969:164-167).
3 A presença de engenheiros na medição das terras simbolizava a busca por encontrar soluções científicas acima dos interesses e paixões políticas (PEREIRA, Magnus, 1996:103). Porém, a falta de entendimento entre os engenheiros e as confusões constantes nas medições dos terrenos é percebida nos Relatórios dos Presidentes da Província do Paraná (1854 a 1882).
4 Os elevados investimentos do governo imperial são repensados em 1876 pelo Presidente da Província do Paraná, Lamenha Lins, que ao demonstrar os avultados gastos com a colônia do Assunguy, dizia que estes poderiam ter sido melhor aplicados na colonização em regiões próximas aos grandes centros, como Curitiba (PARANÁ, Lamenha Lins, 1877).
5 A riqueza do solo para a agricultura na colônia do Assunguy era uma das fortes justificativas para o seu sucesso, mas atualmente sabe-se que este solo, classificado como argiloso, não seria o mais ideal para a agricultura (NISHIKAWA, 2007:126).
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