Ao final do séc. XIX a República ainda está se consolidando no Brasil governado pelo “Marechal de ferro”, Floriano Peixoto. Período de graves agitações políticas e militares. O Partido Republicano está no poder. A primeira constituição republicana (de 24/02/1891) duraria até 1930, a lei de naturalização dos estrangeiros seria decretada em 14/12/1889, a lei do casamento civil seria instituída em 23/01/1890 e também a secularização dos cemitérios se daria em 07/01/1889 (a separação da igreja do Estado). Governa o Paraná Dr. Vicente Machado de Silva e Lima.
Por esta época terminam a construção da estrada de ferro ligando Curitiba a Paranaguá, as obras da Santa Casa de Misericórdia, a construção do Teatro São Theodoro, a construção da Catedral de Curitiba, a construção do Passeio Público. Época das ações da Revolução Federalista (comandada pelo maragato Gumercindo Saraiva) no Paraná: a invasão de Curitiba e a fuga de Vicente Machado e sua comitiva, o Cerco da Lapa, o assassinato do Barão de Cerro Azul... Todos esses acontecimentos históricos importantes numa época conturbada, nos bastidores da política paranaense. Às margens uma trama sem procedentes, o fato de nossa atenção:
Seu nome alemão: ENGELHART HEINRICH CHRISTIAN HENNING, naturalizado para ÂNGELO HENRIQUE CRISTIANO HENNING ou simplesmente HENRIQUE HENNING. Henning nasceu no norte da Alemanha em PLÖN, tendo estudado arquitetura na capital Kiel. Embarcou para o Brasil no porto de Hamburgo, em 23 de Abril de 1859, com 21 anos, com seu irmão Theodoro. Viajando durante 63 dias no veleiro “ANNA” desembarcou no porto de São Francisco do Sul, em Santa Catarina com outros imigrantes. Com assentamento em Joinville, lá permaneceu por um período onde se casou com 23 anos com DOROTHEA MAGDALENA KOLL, de 16 anos. Formou uma família com os filhos: Theodoro, Sofia, Henrique, Fernando, Joana Augusta e Ângela Cristina.
Entrou no Brasil como “lavrador”, porém, na realidade, era um exímio matemático e arquiteto, dedicado à construção civil, mestre de obras. Tornou-se professor da escola de artes e ofícios de Mariano de Lima, em 1892, já em Curitiba no Paraná. Henrique Henning havia aparecido no cenário paranaense, na capital, em 1879, vindo de Santa Catarina e Rio Negro. Veio a convite do engenheiro Carl Gotlieb Vielant, que prometia muito trabalho na construção civil. A capital em franco desenvolvimento, com escassez de mão de obra especializada na área de construção civil, abria uma grande oportunidade ao alemão. As obras da Catedral-Matriz estavam paradas há anos, por falta de um mestre de obras competente. O presidente da província, Taunay, havia nomeado o engenheiro Giovanni Lazarinni e este procurava um excelente mestre de obras para a correção e execução do projeto da igreja. Lazarinni encontrou em Henning essa pessoa, pelos seus dotes e pela fama já adquirida de suas construções.
Henning aceitou o contrato, convocando seus amigos alemães luteranos como auxiliares. Conhecedor do ramo e da arte de igrejas deu início à obra em 1886. Quando estavam nos acabamentos finais, as divergências começaram a surgir com a vinda para vigário da paróquia local o padre paranaense, culto e político, Alberto Gonçalves (em 15 de dezembro de 1890 foi nomeado vigário geral forense do Estado do Paraná). Esse padre passou a polemizar com o mestre Henning em suas visitas na construção, sem conhecer a planta, chamando-lhe a atenção: - que aumentasse a sacristia, porque como estava construído parecia mais uma igreja luterana que católica. Henrique divergiu dizendo ter seguido a planta e que a obra estava em seu final, não havendo como aumentar a sacristia. Como se não bastasse, o padre se intrometia nos trabalhos da construção, gerando antipatia. O vigário a todo custo queria a modificação sob pena de não pagar a Henning e seus auxiliares o direito à comissão prevista em contrato. Henrique, exaltado, passou a mão em sua bengala e a girou certeiramente contra o padre, que escapuliu em correria. Henning não o alcançou por ser contido pelos seus empregados. Pediu demissão com todo o seu grupo de operários ao engenheiro e compadre Cal Gotlieb Wielland, substituto do italiano Giovanni. Dele também se conta de várias casas famosas construídas na capital. Homem já realizado, mas amargurado pelo acontecido, alimentava ter um sítio para os seus dias no futuro. Na Alemanha, as terras eram escassas e no Paraná havia fartura, um sítio para a família era o ideal. Vendeu suas propriedades em Curitiba e comprou 60 alqueires de terras no lugar denominado “Olho d’Água” no Distrito de Varzeão (hoje pertencente ao município de Doutor Ulysses) na Comarca de Cerro Azul, local onde se desenvolve a maior parte da história que tirou sua preciosa vida.
HERMÓGENES DE ARAÚJO, coronel e chefe político de Cerro Azul e cercanias. Na época compreendia as terras do Município de Bocaiúva do Sul, Tunas do Paraná, de todo o vale do Ribeira e grade parte da região do Assunguy. Eram milhares de alqueires que estavam sob o tacão desse coronel que tinha por seu “quartel” e residência o sobrado de esquina na Rua Marechal Deodoro com a Praça Monsenhor Celso (atual Lanchonete Skinão). Segundo se conta, Hermógenes era um homem rude, violento, rodeado de fieis peões e antigos escravos, a seu mando.
Nesse tempo, a política paranaense era comandada pelo líder e presidente do Estado do Paraná, Vicente Machado da Silva Lima, da ala republicana. Por ocasião da Revolução Federalista, no episódio da invasão de Curitiba pelos maragatos de Gumercindo Saraiva, Vicente Machado e sua comitiva pretendiam fugir para Itapetininga e de São Paulo desceriam para o Rio, capital, em busca de organizar tropas e retornar. O caminho do norte era por Cerro Azul e durante a viagem visitaram o Hermógenes e prosseguiram, rumo a Itapetininga. Mas ao cruzar o Rio Ribeira depararam com o alemão construtor Henning e por serem conhecidos conversaram. Foi o bastante para o alemão, que chamou o grupo de covardes em fuga, em vez de reorganizar as tropas no Paraná. O padre Alberto Gonçalves, fazia parte do grupo de retirantes, mas havia ficado atrasado por ser hóspede do padre vigário da paróquia de Cerro Azul, Celso César Itibere da Cunha (o futuro Monsenhor Celso), alguns galopes para trás. Henrique encontrou no caminho para Cerro Azul o padre Alberto e viu a oportunidade de cobrar a dívida de uma comissão de acerto na construção da catedral. O padre retrucou nada lhe dever. Ocasião própria para o alemão arrancar com suas mãos o padre de seu cavalo e arremessá-lo ao chão, dando-lhe uma surra com a “soiteira” de seu cavalo, causando-lhe lesões corporais. Os caboclos da região aplicaram-lhe salmoura e o padre chegou à Itapetininga atrasado três dias, todo machucado.
Com o fim da Revolução Federalista, Vicente Machado retornou, assumindo a liderança e pondo fim às escaramuças. Com todos esses acontecimentos acumulados na mente, mandou chamar o coronel Hermógenes de Araújo e no seu gabinete, com portas fechadas, expôs todos os fatos ocorridos com Henning. Havia mais uma razão: Vicente Machado antes da presidência era promotor e funcionou em processo contra Henning, concluindo que o alemão não gostava de sua pessoa. Vicente Machado explicou ao Hermógenes que o alemão era protegido do Barão de Serro Azul, portanto ambos afinados com o partido da conciliação, contrário aos interesses da política de Vicente Machado. Era preciso silenciar, dar uma lição, um sumiço dele na região: “sua cabeça teria que rolar” (tomado em sentido figurado). Hermógenes rumou para Cerro Azul maquinando como poderia agradar o Presidente com quem tinha laços de amizade. Teria de acertar com esse alemão porque também ultimamente atrapalhava seus negócios no município, cativando os caboclos: sua casa era pousada para muitos viajantes. Concluiu inexistir em Cerro azul pessoa a quem pudesse confiar para essa missão. Lembrou-se de Diamiro Furquim e seu bando, moradores da vila Votuverava (hoje Rio Branco do Sul). Era um homem ousado, perigoso, pistoleiro temível. Diamiro Furquim recebeu o recado e partiu para Cerro Azul, chegando de manhã na casa de Hermógenes, onde acertaram os detalhes e condições do crime. Amanhecera dia 22 de Julho de 1894. Diamiro e seus dois subalternos se encontravam na direção da estrada do Varzeão e lá pelas treze horas já estavam atingindo a porteira da FAZENDA OLHO D’AGUA, dizendo estar em missão de Curitiba, trazendo uma intimação do governo em razão de Henning possuir um fuzil, arma proibida de guerra. O alemão, contrariando as objeções da esposa e filhos, aceitou acompanhá-los até Curitiba. Dizia aproveitar a viagem para acertar uma cobrança em dinheiro em mão de amigos e podia aproveitar para provar quer era sócio do Clube do Tiro ao Alvo e que sua arma era de competição. Diamiro e seus capangas, bem recebidos, chegaram almoçar na casa da família. Henning partiu com os três e pela última vez se despediu de sua família. No caminho, após meia hora, um estampido ecoou na mata. Henning caiu do cavalo, balbuciando: “– Bem dizem que de uma morte a traição ninguém escapa... Porcos...”. O segundo tiro atingiu certeiramente o peito. Apearam do cavalo, arrastaram o corpo para dentro da mata e decapitaram o cadáver. O terceiro bandido, vendo tal frieza, debandou-se. Diamiro e o outro ensacaram a cabeça e amarram-na na sela do cavalo, partindo com destino ao coronel Hermógenes, levando a prova da missão cumprida. O cavalo do infeliz alemão depois de horas retornou à fazenda. A família sentiu que algo de trágico pairava no ar. A desgraça se abatera na família.
Narra a história e os comentários que Diamiro e seus companheiros chegaram à Vila de Varzeão, encheram alguns copos de cachaça na venda da cidade, que também era um lugar de pousada. A mulher do bodegueiro tinha o vício de revistar os cavalos dos fregueses que ali apeavam em busca de alguma farofa ou paçoca. Ao abrir o saco, qual não foi o susto: encontrou a cabeça toda ensangüentada do alemão! Com gritos horríveis atirou-se ao chão e nunca mais se atreveu a bulir nas cargas dos animais. Os bandidos amarraram a boca do saco e firmaram novamente a sela, partindo em seguida. A certa altura pararam em uma raia, onde estava havendo corrida de cavalos. Desmontaram e tomaram outra rodada de cachaça no boteco. Vencidos pelo álcool, desafiaram os presentes para uma disputa de tiro ao alvo. Os que conheciam sua fama se afastaram, outros toparam o desafio. “O alvo eu ofereço” disse Diamiro Furquim e do saco puxou a cabeça do pobre alemão, ajeitando num toco e dizendo “vamos ver quem acerta na boca deste porco”. Os caboclos com tal cena deram o fora, ficando os três facínoras disparar contra o alvo. Cansados da brincadeira, ensacaram novamente a cabeça e continuaram a viagem. Duas versões são conhecidas do desfecho na boca do povo: chegaram à casa de Hermógenes num domingo à noite quando estava acontecendo uma festa. Presentes Vicente Machado e as damas da sociedade. Diamiro colocou sobre a mesa o saco que ao abrir deixava à mostra seu conteúdo. A cena foi terrível: mulheres desmaiavam, Vicente Machado arregalou os olhos, atônito e, quase perdendo a voz, balbuciava: “Não era assim que eu queria. Não era assim. Me interpretaram mal.” A cabeça de Henrique Henning, por ordem de Hermógenes, foi enterrada na própria casa nos fundos do quintal, próximo a um forno. Hoje no local está o posto de gasolina de Marcelo e Sérgio Beira. O corpo foi enterrado no local do crime com uma cruz marcando o lugar, ficando conhecido o local pela expressão “A Cruz do alemão”.
Outra versão popular: Hermógenes enviou a cabeça a Vicente Machado, em Curitiba. Nesta ocasião atendeu a empregada da casa. Disse o capataz que tinha um presente a entregar ao Presidente do Paraná. Quando Vicente Machado abriu a saca, lá estava a cabeça do alemão Henning em estado de putrefação. Foi quando o Presidente disse que havia falado em tom de brincadeira e pediu ao capataz que voltasse com o embrulho trágico. Chegando a Cerro Azul, foi sepultada nos fundos da casa onde morava o Coronel Hermógenes, ou seja, onde hoje está o Posto de Gasolina.
Destino dos personagens:
Aguça a curiosidade o que aconteceu com os outros: Conta-se que Hermógenes teve uma morte de sofrimentos angustiantes. Acometido de “fogo selvagem”, conhecida por febre de pênfigo, agonizou por semanas na cama sob um lençol, nu, seu corpo acometido pela febre alta, pedindo para que jogassem água nele. Faleceu em 1914 e foi enterrado no Cemitério de Cerro Azul. Diamiro Furquim, o matador, também foi morto violentamente: devendo muitos crimes, ofereciam recompensa pela liquidação do pistoleiro e, em certa ocasião, trafegava com seu cavalo pela estrada. Um moço, residente na Capela do Ribeira, atocaiado, acertou-lhe um tiro de Winchester 44, atingindo certeiramente. Ele agonizou durante 21 dias e então faleceu de hemorragia do ferimento. Vicente Machado, advogado e político, natural de Castro, chefe do Partido Republicano do Paraná, foi eleito senador em 1895, em 1904 presidenciou novamente o Paraná, e acometido de um câncer na laringe, faleceu em 03 de março de 1907. Padre Alberto Gonçalves, natural de Palmeira, no Paraná, exerceu na política várias legislaturas. Foi deputado, senador, provedor da Santa Casa, fundou o Asilo Nossa Senhora da Luz e participou da Academia de Letras do Paraná. Bispo. Faleceu no dia 6 de maio de 1945, em Ribeirão Preto, São Paulo.
Outras histórias do Coronel Hermógenes
-Certa vez, entrou em atrito em questão política com Ricardo Emygdio Ribeiro (natural de Catas Altas, São Paulo, casado com Adélia Heidegger e morador de Cerro Azul) que exercia a prática de advocacia, “rábula”. Hermógenes mandou prender Ricardo, que foi montado num burro e escoltado pelos seus capangas, passando pelo meio da Praça Monsenhor Celso, com direção ao lugar chamado de “Ameixeira”, onde era o “matadouro” de Hermógenes (colocava-se uma corda amarrada com uma pedra no pescoço da vítima e se jogava a pessoa no Rio Ponta Grossa). Neste meio de tempo, pessoas que viram Ricardo amarrado pelas mãos, escoltado e seguindo para a execução a “mandus militares”, avisaram Jacinto Bassetti, que era delegado de polícia da cidade. Jacinto Bassetti veio ter com Hermógenes um entendimento e frisou: Se o “Seu” Ricardo não aparecesse correria bala. A praça “qualhava” de pessoas amigas e Bassettis armados. Hermógenes, mais que depressa, mandou a galope um de seus sacropantas buscar Ricardo, lá chegando na última hora. Devolvido Ricardo, o clima político voltou a normalizar-se.
-Certa ocasião um casal de lavradores estava casando na Igreja Católica. Ao sair, os capangas de Hermógenes mataram o noivo a pedradas na praça da cidade.
-Hermógenes era dado a brincadeiras de mau gosto, contava o saudoso Professor Moacir Bassetti. Certo dia apareceu um moço vestido de branco na cidade, todo aprumado, impecável com seu traje. Ele obrigou o moço a montar um cavalo pesteado com ferimentos, em pêlo, e dar uma volta na cidade. Ao descer, seu traje branco estava sujo de sangue das feridas do animal.
-Contam histórias de seu túmulo, no Cemitério, amarrado com correntes grossas de ferro. Essas correntes chegavam a estremecer. Foram benzidas para que o efeito passasse.
-Nos dias de Hermógenes a sociedade cerro-azulense viveu momentos tensos que ficaram gravados na consciência coletiva da sociedade nascente e que perduraram até os nossos dias.
-O contraditório acontece, expressou o Prof. Aderbal Luiz da Rosa: caboclos simples queriam saber se era este ou aquele o túmulo de Hermógenes, admirados dessas histórias, contadas e recontadas. Então perguntavam na sua simplicidade da linguagem da região “é esse o túmulo do MONGE?” (Frade ou religioso de mosteiro).
Fonte: texto de Vania de Moura e Costa, adaptado do livro "A Cruz do Alemão", de Cid Deren Destefani e do estudo "Acordem Cerroazulenses, de Ruy Vilella Guiguer